Hoje acordei pela manhã e me senti absolutamente como
passando meus tempos na Mãe Índia. Ainda com o céu escuro, mas os passarinhos
já cantando, antes mesmo de o despertador tocar eu já estava há algum tempo
acordada, com uma percepção bem sutil da existência infinita e misteriosa da
libertação. Era quase quatro da manhã quando uma musculatura presa em minhas
costas, que reflete numa dor no meu braço esquerdo, começou a me incomodar.
Neste momento busquei uma bolinha de tênis que uso para automassagem e fiquei
deitada em cima dela. Rolando meu corpo sobre a bolinha, fui iluminado fibras
musculares à minha consciência, uma a uma, bloqueadas, sem energia, e algumas
sensações já conhecidas e bem agradáveis pôde relaxar um pouco meu corpo,
sentindo um fluxo passar de onde estava preso, saindo pela boca, como rajadas
de vento.
Apesar de acordada há tempos, às seis e meia, com o
despertador tocando, o corpo foi colocado em posição vertical sob um comando
bem austero, caso contrário ficaria lá por horas como estava. Ao que segue
minha rotina diária, fui ao banheiro fazer as primeiras eliminações do dia,
ainda resquícios do chá tomado à noite, já eliminado muitas vezes durante a
madrugada. Em seguida, na cozinha, com água morna tomei meus compostos
Ayuvedicos e já estava preparada para o Sadhana matinal. Uma vela foi acesa em
meu altar, pedindo a conexão eterna com meu Guru, e de volta à cama, agora
sentada, cerrei os olhos e comecei a entoar meu guru mantra, em silêncio.
Entre muitos e muitos pensamentos, aquela sutil sensação de
libertação novamente pôde ser verificada, e entre ela e os pensamentos
incessantes e repetitivos havia um limite bem claro. Na verdade, a escolha era
clara. E também clara era a força que me empurrava aos pensamentos. Restava-me
apenas a pedir, pois de minha parte já havia chegado o quanto me cabia, até
aquele momento. Então foi me dada a
percepção de que eu estava escolhendo reafirmar tais pensamentos e crenças e
podia não fazer mais, apesar de ainda acreditar nelas. Uau!!! Uma decisão e
tanto deixar o que se acredita para trás, mantendo apenas a crença de que é Deus
quem age por mim. Uma hora é chegada de confiar nesta máxima tantas vezes
ensinada!
Antes de completar uma hora do Sadhana, a mente já começava
a desfocar da unidade (ainda não a
unidade plena, porém satisfatória), e o corpo pedia por ser esticado, alongado,
mexido. Uma sessão básica de yoga, com alguns ásanas e pranayamas, respondeu ao
chamado. A essa hora, os ruídos já eram intensos. Carros e ônibus nada
comedidos com a possibilidade dos barulhos que lhes foram conferidos. Bastante
desrespeito e muita buzina acontecem todos os dias na grande avenida em que
moro. Consenso e generosidade no trânsito dificilmente são alcançados e, assim,
ao menos aparentemente, a paz anda longe de muita gente. Ao menos em mim ainda
posso senti-la. E para completar o cenário que me fez lembrar carinhosamente a
doce e sagrada Mãe Índia, há a construção de um grande edifício no sopé de
minha janela. Rente mesmo. Vou quase poder tocar a mão do meu vizinho se
esticarmos os braços. As máquinas gritando, os homens gritando, as pilhas de
metais que subitamente caem de grandes alturas gritando. Como se não bastasse,
alguém no corredor, na porta ao lado, aproveitou a já falta do silêncio pra
fazer uso de uma furadeira na parede. “Oh God!!!”. Mas, ok, foi justamente de um cenário sonoro
parecido que saíram os mais belos ensinamentos do Yoga, do Ayurveda, da
meditação. Apesar de tudo, ainda estou aqui, não muito distante do meu centro.
Olha, até posso ser ousada em dizer que hoje estou um pouco mais perto dele!
Vivo hoje o trabalho da aceitação de que esses são os fatos,
esse é o momento, é isso o que se apresenta agora. Não há do que fugir, nem pra
onde. Sendo apenas um reflexo da mente, pra onde for, levarei comigo. Fazendo uso de muitas ferramentas,
habilidades e compreensão que vim adquirindo nesses últimos anos, vou seguindo
o caminho e me cuidando, aplicada e docemente, pra, diante de tudo isso, manter
minha saúde e passar por onde terei de passar. É a verdadeira prova da
solitude, é um caminhar que, num determinado ponto, somente se pode realizar
sozinho. No entanto, tenho um mestre que
está a meu favor, e isso é o meu Norte.
Foi por muitos anos observando e aprendendo a arte de me
cuidar, sabiamente, buscando e colocando em prática novos conhecimento, que me
vi apta a cuidar de outras pessoas as quais estão passando pelos mesmos lugares
por onde eu passei, e, fundamentalmente poder auxiliá-las no processo de saberem
cuidar de si mesmas. A experiência me mostra o caminho do real, se
constantemente me deixar aberta a aprender com ela. A experiência tem me mostrado
as dificuldades e as necessidades que se pode encontrar nesse percurso. A experiência vem me afinando à compaixão. E
por compaixão, é com a doçura que se manifesta através mim, pura expressão do
Amor Divino, que tenho me colocado a serviço, pelo Karma e pelo Dharma, na
tarefa do cuidar. Fazendo deste Seva um voto ao real propósito de minha
existência.